Calixcoca: “Precisamos levar esse debate para o SUS e para o controle social”

A presidenta do Conselho Estadual e Saúde de Minas Gerais (CES-MG) Lourdes Machado participou, no dia 16/8, de uma audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) sobre a vacina Calixcoca, desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e finalista do 2° Prêmio Euro Inovação na Saúde, da Eurofarma.

A vacina terapêutica, que já foi testada em animais, ainda demanda recursos para cumprir todas as fases de testes em humanos e ser aprovada para uso no tratamento de dependentes de crack e cocaína, como explicou o pesquisador Frederico Garcia, do Centro Regional de Referência em Drogas da UFMG. Seriam necessários R$ 30 milhões de investimentos para que todas as etapas de aprovação da vacina sejam concluídas.

A deputada Beatriz Cerqueira (PT), que pediu a audiência, frisou que a agenda de agosto da comissão, a qual preside, tem se dedicado a valorizar a importância da pesquisa em Minas e no País, após as tentativas recentes que, segundo a deputada, visaram a desqualificação da ciência em nome do negacionismo. A deputada ressalta a importância de levar essa pauta para o âmbito do SUS e do controle social e propõe reuniões da equipe da UFMG com o CES-MG e os movimentos sociais.

Lourdes Machado destacou a importância das vacinas e do trabalho conduzido pela UFMG, mas ponderou preocupações sobre como uma vacina de crack/cocaína seria usada. A questão não é a vacina, mas o objeto da vacina. “Precisamos de uma discussão corajosa sobre a questão das drogas lícitas e ilícitas”, disse a presidenta do CES-MG. Segundo ela, o abuso de álcool e outras drogas é um problema na sociedade contemporânea, principalmente o álcool, droga lícita, considerada o maior problema de saúde pública do mundo, destacou. Pondera ainda que desenvolver uma vacina “antidroga” e ofertá-la como solução para a “dependência química” é considerar o fenômeno do uso abusivo de drogas como algo rigorosamente biológico.

O uso abusivo de drogas, lícitas ou ilícitas, é um grave problema e configura responsabilidade de todos os níveis de atenção no SUS, entretanto, não podemos admitir soluções apenas no campo da saúde, mas sim uma abordagem intersetorial sobre a violência urbana, as injustiças sociais e as enormes dificuldades de acesso à educação, ao trabalho, ao lazer e à cultura.

Lourdes Aparecida Machado (presidenta do Conselho Estadual de Saúde)
Foto: Guilherme Bergamini (ALMG)

Ritalina

Lourdes destacou ainda a questão do uso abusivo do Metilfenidato (Ritalina), uma ameaça prescrita e legalizada. Como a cocaína, a Ritalina é um estimulante que aumenta o estado de alerta e a produtividade. Ambas têm uma estrutura química semelhante e agem aumentando os níveis de dopamina no cérebro. Infelizmente, o medicamento está se tornando uma opção de fácil acesso para adolescentes. Ela é relativamente barata e acessível e, porque é um medicamento de prescrição, é percebida como segura. “É uma contradição quando temos uma política de guerra às drogas’’.

Caráter higienista

Ainda que a vacina tenha sido recebida por muitas pessoas com entusiasmo, a presidenta do CES-MG destacou que é necessário apontar alguns cuidados. Tratar o uso de qualquer droga como uma epidemia pode conduzir à uma prática de ações repressivas que, além de precipitar intervenções sanitárias de caráter higienista, trarão pouco ou nenhum alívio à dor das pessoas usuárias.

 “Vacina é para epidemias, mas no caso de ‘controle comportamental’ de uma pessoa ou determinado grupo social, o tratamento será feito de quanto em quanto tempo? Com o efeito bloqueador da vacina, o tratamento seria a abstinência? ” perguntou Lourdes, que acrescenta que existem algumas implicações sobre o que aconteceria em caso de recaída; se seria necessário pensar em vacinas para todos os estimulantes e não só a cocaína e o crack? Quais os riscos da vacina se tornar uma arma legal ou outra forma de violência contra a liberdade das pessoas?

A presidenta destacou que não existem vacinas para combater vulnerabilidades a não ser por meio de políticas públicas bem construídas e eficazes. Sugeriu levar a discussão para a democracia participativa, por meio do CES-MG e propôs uma audiência chamando associações de pessoas usuárias e movimentos sociais para um debate amplo.

Também participaram da audiência Fernando dos Reis, pró-reitor de Pesquisa da UFMG; Cláudia Leite, subsecretária de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp); Luiz Cláudio Barbosa, chefe do Departamento de Química da UFMG; a deputada Chiara Biodini e a deputada Marli Ribeiro.

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