25 de julho Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha: Uma entrevista com Eleciania Tavares, Secretária Executiva do CESMG e defensora do controle social

Desde o 1º Encontro de Mulheres Latinas e Caribenhas, que aconteceu na República Dominicana em 1992, se comemora no dia 25 de julho o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha. Não sendo somente uma data comemorativa, mas sim de resistência e luta como diz Eleciania Tavares da Cruz, Gerente da Secretaria Executiva do Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais: “São momentos de luta e não só de comemoração. São momentos de lembrar mesmo. Precisamos relembrar o tempo inteiro, no dia da Consciência Negra, no 13 de maio, no dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, pra gente não esquecer da nossa história e continuar marcando posições nesses espaços.”

Eleciania ocupa a gerencia do CESMG a 4 anos, é formada em Geografia pela Faminas-BH, tem especialização em História e Culturas Políticas pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG e Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Medicina da UFMG. Acredita que a educação é a grande chave para a transformação, justamente por ter uma história de luta para ocupar o espaço universitário no fim da década de 90, quando as políticas públicas voltadas para o curso superior não estavam tão ascendentes.

Ela trabalhou em diversos subempregos onde passou por várias situações de racismo institucional, mas não se arrepende, pois em sua fala diz que esses empregos a ajudou a ter convivência com outras culturas. A secretária executiva conta que ficou 5 anos tentando entrar na faculdade federal, mas não conseguiu de imediato, então decidiu no final de 2004 pra 2005 a fazer o vestibular da Faminas, passando assim em 2º lugar. Mesmo assim enfrentou dificuldades para se manter em seus estudos “Quando eu passei ainda trabalhava em uma padaria, juntava dois meses de salário para pagar apenas uma mensalidade da faculdade, voltava a pé para economizar dinheiro da passagem, pois era próxima da minha casa, e durante 6 meses foi isso.”

Sua vida acabou mudando quando surgiu um concurso para escrever a históriade Venda Nova (região que reside até os dias atuais). Ela confessa que no primeiro momento o que mais a chamou atenção foi o prêmio em dinheiro que a ajudaria a pagar seus estudos, “Eu fiz o processo escrevi a redação, se passavam os meses e minhas mensalidades continuavam vencendo, fiquei com medo de não conseguir continuar estudando. Fico pensando que de tudo pode ser tirado na minha vida, menos o direito de estudar, porque é o espaço que me transformou. Eu acho que com tudo que a gente vive como mulher negra, qualquer processo de transformação e de diminuição da violência não vai passar por outro espaço que não seja pela educação. Mesmo com todas as dificuldades que passo, hoje eu tenho um pouco mais de possibilidades e vejo que eu consegui por causa da educação. Quando eu vi que as portas da universidade, que sempre foi meu sonho, começaram a se fechar fiquei triste. A gente não sofre só violência física, a pressão psicológica, a questão da descriminação, isso tudo é violência e isso tudo afeta a população das mulheres negras como ser humano.” Conta Eleciania de forma emocionada.

Depois de alguns meses recebeu a notícia que havia passado no concurso, e também em um processo seletivo para trabalhar no Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte, logo em seguida fez o ENEM e conseguiu uma bolsa de 100% no ProUni, e as oportunidades começaram a se abrir, tanto quanto sua consciência do controle social e do SUS, que defende como um espaço para a população negra se fortalecer, “Se aqui é um espaço de discussão, acompanhamento e fiscalização das políticas públicas, a população negra está inserida. Aqui a gente tem a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra que é resultado de um amplo processo de discussão, ela traz que a saúde não pode ser entendida só como processo de bem estar físico ou como ausência de doenças, a saúde é um conjunto, a própria OMS faz a definição: conjunto de bem estar físico e psicossocial. Então todas as iniquidades que afeta de forma direta ou indireta a saúde da mulher negra, o preconceito, o racismo (institucional ou não), todas as formas e práticas de violência que vão afetar essa população é tratada pelo controle social. A partir dessa política ela vai pensar não só no resgate de autoestima dessas mulheres, vai pensar também, por exemplo, nas mulheres negras que mais sofrem no processo de nascer, viver e Morrer… Segundo os dados a mulher negra faz menos pré-natal que as mulheres brancas, quando ela vai para a maternidade ela sofre muita violência obstetra, porque é colocado para nós mulheres negras que somos mais fortes. Por isso as vezes nem anestesia é nos dado. E isso tem a ver com o SUS, está dentro das práticas do SUS então precisamos verificar isso.”

O controle social segundo a secretária executiva do CESMG tem papel fundamental na vida dessa população que é atingida não só pelo racismo mas também pelo machismo, e sempre ressalta o quanto as mulheres negras precisam ocupar os espaços que lhe foram tirados ao longo de toda a história. “Quando pensamos na questão do processo educacional que foi nos retirado, como no caso de minha mãe que voltou a estudar agora com 65 anos. Ela sempre foi doméstica e se pensarmos, foi retirado dela o direito ao estudo. Os patrões falavam que ela só podia estudar quando terminasse o trabalho, mas quando terminava o trabalho? Sendo que maioria das vezes essa mulher tinha que dormir no emprego. Então temos que trabalhar a autoestima dessa mulher, porque essa mulher vai desenvolver problemas físicos que podem partir para doenças por causa disso, o número de diabéticos e hipertensos é maior na população negra porque tem a ver com a alimentação, e quem tem que cuidar disso? O SUS. Quando a gente discute isso no sistema único de saúde a gente vê onde ele atua, porque é dentro desse espaço que as políticas devem ser discutidas e trabalhadas, Deve se pensar em todas as nuances que vêm desde nascer da mulher negra, da forma dela viver e da forma dela morrer também, que nos foi tirado em todo um processo histórico, e ai o controle social discute todas essas políticas públicas […] Quando o controle social discute principalmente a política de saúde da população negra a gente percebe que é aqui que precisa ser trabalhado e fortalecido. As políticas públicas são importantes e elas devem ser constituídas e fiscalizadas pela população que ela deve contemplar. Então quando as mulheres negras participam desses espaços elas se fortalecem e buscam por melhoras.”

Com toda sua história de luta como uma mulher negra que ocupa um espaço importante no controle social em Minas Gerais, Eleciania Tavares traz uma reflexão do papel do SUS e do controle social na vida dessas mulheres, e também destaca a importância de datas como a de 25 de julho para o resgate histórico de uma população tão marginalizada e maltratada na história mundial e brasileira, como ela mesmo cita a frase “Não sou descendente de escravos, sou descendente de reis e rainhas que foram tirados de seus lugares e foram escravizados”.

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