A 583ª Reunião Ordinária do CES-MG, realizada em junho, contou com as presenças de representantes do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) para falar sobre a situação das Casas de Saúde Padre Damião, Santa Isabel, Santa Fé e São Francisco de Assis, as quatro colônias ainda ativas para tratamento da hanseníase em Minas Gerais. A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) foi representada pelo coordenador de Enfermagem e Equipe Multidisciplinar, da Diretoria Assistencial, Arthur Ribeiro Mendes e da gerente de Serviços Descentralizados da Diretoria de Contratualização e Gestão da Informação, Maria Thereza Jabour.
Reinvidicações
O movimento apresentou ao plenário problemas que ainda persistem nessas colônias. De acordo com o membro da diretoria colegiada nacional e coordenador estadual do Morhan, Eni Carajá Filho, existe a necessidade de cuidar a todas as pessoas atingidas pela hanseníase de forma direta ou indireta, como filhas/os que ainda vivem isoladas/os nas colônias, sem perspectiva de uma reintegração social.
O representante do Mohran e conselheiro estadual, Cordovil Neves de Souza, disse que a falta de financiamento por parte da FHEMIG tem agravado a situação. “Na linha de cuidado, a FHEMIG recebe recurso [para financiar] e não tem feito. A primeira cobrança é essa. Essas antigas colônias, que são casas de saúde, tem grandes equipamentos, prédios e terras. Queremos um plano diretor dessas terras, com assentamento”, complementou Cordovil, exigindo uma maior participação da FHEMIG na manutenção das ações produzidas nas colônias e o repasse integral do orçamento destinado a linha de cuidado de usuárias/os, salientando que, se o orçamento for utilizado de maneira integral, as colônias podem produzir mais como local de referência, treinamento, tratamento de feridas, reações hansenícas e reabilitação.
Sobre a destinação das terras onde ficam as colônias por meio de plano diretor, Eni acrescenta a defesa de que “haja uma regularização fundiária onde o imóvel seja repassado para a prefeitura, com clara utilização para antigos moradores e familiares”, afirmou, a fim de mitigar parte dos danos causados a essas pessoas.
Outra dificuldade pontuada pelo Mohran é a falta de profissionais de Enfermagem. As colônias não foram contempladas pelo edital do concurso aberto pela FHEMIG e o movimento alega que profissionais da área estão sendo substituída/os por pessoas cuidadoras. A situação se agrava com a possibilidade de abertura de edital para seleção de Organização Social (OS) para gerir as colônias.
Em maio deste ano, uma comissão do CES-MG, composta pelo secretário-geral do CES-MG, Erli Rodrigues, pela conselheira Aleteia D’ Alcântara e pelo conselheiro Denilson Gonçalves, visitaram a Colônia Santa Isabel, em Betim. Erli destacou que a visita constatou que a atenção primária na colônia não está funcionando.
Arthur Ribeiro Mendes falou sobre as dificuldades da Fundação em contratar pessoal, especialmente na área médica e, pelo fato das colônias serem espaços de cuidados prolongados, as linhas de cuidados precisam ser mantidas. Foi solicitado que os representantes do Morhan apresentem de forma mais específica as demandas relacionadas sobre a falta de assistência às pessoas usuárias da linha de cuidado e falta de medicamentos para serem encaminhadas à FHEMIG.
Eni Carajá informou que espera que, após a reunião, a linha de cuidado seja transformada “em legislação rigorosa e forte e que dê oportunidade para o governo do estado aporte mais recursos para esse tipo de atenção, pois, hoje vemos um quadro difícil na saúde pública e tenho certeza que a reunião com o CES-MG vai dar um processo de potencialização para que esse plano de trabalho seja construído junto com as pessoas atingidas pela hanseníase”, ressaltou.
A presidenta do CES-MG, Lourdes Machado, lembrou que o estado tem uma dívida histórica com descendentes de pessoas atingidas pela hanseníase e destacou que a doença sempre esteve permeada pelo preconceito. “É necessário pensar na saúde mental dessas pessoas e na carga que tem sido para as famílias”.
Encaminhamentos
O CES-MG solicitou que daqui há 30 dias a FHEMIG retorne ao conselho para apresentar um diagnóstico sobre a atual situação do plano de ação nas colônias.
História das colônias
Causada pela bactéria Mycobacterium leprae, a hanseníase é uma doença estigmatizada que sempre esteve atrelada a exclusão social. A representante da direção nacional colegiada do Morhan, Inhana Olga Costa Souza explica que devido ao desconhecimento e a semelhança de sintomas com outras doenças, a enfermidade era tida como pecaminosa, pois as pessoas acreditavam que a contaminação estava relacionada à sexualidade, o que contribuía para esta visão preconceituosa. Apenas em 1873 a bactéria Mycobacterium leprae foi identificada, o que elucidou as formas de contágio e a natureza da doença, mas não afetou o preconceito que já estava enraizado. A exclusão social era legalizada, com pessoas sendo obrigadas a serem isoladas no Brasil, o que só mudou em 1962, com a internação compulsória deixando de ser regra.
Eni Carajá conta que foram construídos, entre 1920 a 1946, diversos hospitais-colônias em Minas Gerais, como o (Hospital) Cristiano Machado, em Sabará, mas sobraram apenas quatro. Todas as pessoas com manchas na pele eram confundidas como ‘lepra’ e iam para a colônia. Esses hospitais não tinham servidores públicos específicos. A maioria das pessoas que cuidavam dos doentes eram bolsistas de atividades especiais (pessoas com hanseníase). Era uma política de separação social. As colônias ficavam fora do centro urbano, na intenção de internar e segregar pessoas com hanseníase. A colônia era uma cidade própria para que as pessoas não fossem para fora e ninguém entrasse lá dentro”, pontuou.
O Morhan, foi fundado em 1981 na colônia de Bauru por pacientes, ex-pacientes e pessoas ligadas a causa, e tem como objetivo lutar pelo fim do isolamento compulsório de pessoas atingidas pela hanseníase, reintegração social afetada pelo preconceito com essas pessoas e a cura da doença.