Hanseníase ainda causa 30 mil novos casos no país por ano

Tratamento é oferecido pelo SUS e a doença tem cura

hanseniase

Caroços avermelhados, às vezes doloridos; áreas com diminuição de pelo e suor; manchas de pele, avermelhadas ou claras, no corpo com diminuição ou perda de sensibilidade, principalmente nas extremidades das mãos e dos pés, na face, nas orelhas, nas costas, nas nádegas e nas pernas. Esses são os sintomas da hanseníase, conhecida erroneamente no passado como “lepra” – termo retirado dos documentos oficiais do Estado e revelador do estigma que acompanha os atingidos pela doença, decorrente do preconceito histórico que causou dor e sofrimento indizíveis. “Lepra não é sinônimo de hanseníase. Na Bíblia, o termo se referia a parede descascada, mofo, infiltrações e a sociedade, em geral, associa a palavra a qualquer doença de pele e até mesmo a cachorros com leishmaniose. É bastante pejorativo”, contou Eni Carajá Filho, ex-conselheiro estadual de saúde e coordenador estadual do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan).

Breve histórico da Hanseníase em Minas

Os leprosários, sanatórios ou asilos – locais onde ficavam os doentes – foram regulamentados na década de 1920, com a criação da Inspetoria de Profilaxia e Combate à Lepra e Doenças Venéreas. De 1949 a 1986 o isolamento social dos hansenianos nos leprosários foi legalizado por lei federal, permitindo inclusive a separação de mães dos seus bebês. Entre 1920 e 1950, foram inaugurados quarenta asilos-colônias em todo o Brasil – 80% deles foram criados no governo de Getúlio Vargas. Em Minas Gerais existiram seis colônias: Ernane Agrícola (1883-1983), em Sabará; Santa Izabel (1931), em Betim; Santa Fé (1942), em Três Corações; São Francisco de Assis (1943), em Bambuí; Padre Damião (1945), em Ubá; e Roça Grande, em Sabará, hoje Hospital Cristiano Machado. Atualmente, Santa Izabel, São Francisco de Assis, Padre Damião e Santa Fé estão sob administração da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) e funcionam como casas de saúde, especializadas em reabilitação.

santa izabelCasa de Saúde Santa Izabel

Algumas feridas, no entanto, permanecem abertas, como o preconceito e a busca por reconhecimento social por parte dos ex-pacientes das colônias. De autoria do então senador Tião Viana, em 2007 foi instituída a Lei 11.520, que concede pensão indenizatória aos pacientes internados compulsoriamente até dezembro de 1986, data dos últimos registros de internação compulsória tolerada pelo Morhan. Estima-se que mais de 8,7 mil pessoas internadas em colônias, entre 1950 e 1980, foram beneficiadas com a pensão, em 2015, de acordo com dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Por outro lado, aqueles atingidos pela hanseníase que não foram para as colônias, mas tiveram sua vida direta e significativamente afetada pela marginalização a que foram submetidos, continuam sem amparo estatal. Outro grupo não contemplado pela legislação é o de filhos e filhas separados de mães e pais pacientes, que geralmente recolhidos para creches, pupileiras, preventórios e ou educandários, eram doados ou vendidos, sobre os quais recaem o preconceito e a exclusão, apesar das sequelas físicas e psicológicas. Também se constitui como entrave para a efetivação da justiça social em relação aos ex-pacientes das colônias a dificuldade em provar sua condição. Apesar de conter falhas e não ser capaz de reparar os danos afligidos às pessoas, o reconhecimento do erro por parte do Estado através de lei representou importante avanço.

A dubiedade que marca a relação entre Estado e avanços na questão se faz presente também quando se analisam os números referentes à doença. No dia 31 de janeiro o Ministério da Saúde divulgou queda de 34% em nove anos no registro de casos diagnosticados da hanseníase, indo de 43,6 mil em 2006 para 28,7 mil em 2015. Houve redução também no número de pacientes, passando de 26,3 mil para 20,7 mil no mesmo período. O grupo de crianças e adolescentes apresentou diminuição de 28% na taxa de detecção, embora tenham sido constatados 2,1 mil novos casos. Ainda que a infecção esteja em 24 dos 35 países das Américas, de acordo com a Opas/OMS (Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde), o Brasil é o único onde a situação permanece como problema de saúde pública, sendo responsável por 94% dos registros na região. Além disso, só perde para a Índia no número de novos casos: enquanto o país asiático tem 126 mil registros/ano, o Brasil possui 30 mil registros/ano. “Nós estamos preocupados com o aumento do número de casos nas esferas federal, estadual e municipal.”, disse Eduardo Araújo de Souza, conselheiro estadual de saúde e representante do Morhan. Em Minas Gerais, 500 municípios estão na condição de “silenciosos”, ou seja, não oferecem referência para tratamento ou diagnóstico da doença, como apontou Eni Carajá Filho.

Semana Internacional do Combate à Hanseníase

O padre italiano Raoul Folereau foi o responsável pela iniciativa de instituir a data simbólica à qual 154 países aderiram, dando origem ao pacto de comemoração do Dia Mundial de Combate à Hanseníase, celebrado sempre ao último domingo de janeiro. No Brasil, o dia é conhecido como Dia Nacional de Enfrentamento à Hanseníase.

Esse ano, a Semana Internacional do Combate à Hanseníase foi celebrada com ações culturais envolvendo o combate ao preconceito e ao estigma que envolve a doença, em Belo Horizonte, Betim e Contagem, uma iniciativa da Casa de Saúde Santa Izabel (CSSI) em parceria com o Ministério da Saúde e a NOVARTIS, que deslocou uma carreta equipada com cinco consultórios médico, servindo para identificação e atendimento de casos de hanseníase, tirando duvidas e orientando o diagnóstico precoce. Nesta oportunidade foram feitos 543 atendimentos, nos três municípios, e destes foram constatados 06 (seis) casos positivos de hanseníase e encaminhados para tratamento. “É preciso enfrentar o preconceito, por isso a data é tão importante, servindo para dar visibilidade à causa e conscientizar a população de que a hanseníase tem cura. Devemos aproximar as pessoas”, completou Silvio Salvador. A CSSI também incorporou o Projeto Sentinela às suas atividades, realizando avaliação física e mental dos filhos e das filhas separadas dos pais e mães portadores de Hanseníase.

DSC_0131 Tiago Pereira da Silva, Silvio Salvador Cotta, Eni Carajá e Ederson Alves

No dia 26 de janeiro, o Conselho Estadual de Saúde esteve no 24º Concerto contra o Preconceito, na Casa de Saúde Santa Izabel, em solenidade com a presença de usuários, trabalhadores e autoridades políticas (vide matéria neste informativo). “O Conselho apoia esta causa e se coloca à disposição para promover debates que esclareçam sobre a hanseníase e combatam o preconceito”, afirmou Ederson Alves (CUT-MG), vice-presidente do CESMG. Silvio Salvador, também, destacou a importância do Controle Social. “O espaço democrático é muito importante, a possibilidade de ter voz e ser ouvido é essencial para informarmos, divulgarmos ações e combatermos o preconceito, além de ser um espaço fundamental para discutirmos e acompanharmos as ações do poder publico quanto as políticas de saúde no Estado”. A entidade também se encontra em outras áreas de atuação. “O Morhan está inserido nas políticas públicas, nos conselhos de saúde, deficiência, idoso, criança e adolescente e de direitos humanos”, reportou Eni Carajá Filho.

A Hanseníase

A hanseníase, causada pela bactéria Mycobacterium leprae, é uma doença crônica e infectocontagiosa que tem cura e sua evolução depende da velocidade de diagnóstico e tratamento adequados. Caso isso não aconteça ficarão sequelas irreversíveis. A transmissão se dá por via aérea; o bacilo pode ser passado por tosse e espirro de pessoas infectadas e sem tratamento, sendo necessária exposição íntima e prolongada. O bacilo ataca as partes periféricas e mais frias do corpo e se revela quando nele está instalado por período entre cinco e sete anos. Os pacientes em tratamento regular e que já receberam alta não transmitem a bactéria.

O contágio, considerando o fato de 90% de a população possuir defesa natural contra a bactéria, depende das condições de higiene, nutrição e educação dos lugares, fazendo com que seja diretamente associada à pobreza. No entanto, o estudo apresentado nas atividades da Semana de Combate à Hanseníase em Betim sobre Georeferenciamento em hanseníase no Estado de São Paulo, o Geógrafo Celso Berzani, relatou que identificou significativos casos de Hanseníase em localidades da zona sul e bairros de poder aquisitivo alto, daquela Capital, referindo que a doença se manifesta de forma pulverizada e sem critérios. É importante ressaltar a necessidade de manter o convívio social com as pessoas portadoras da doença, suas atividades rotineiras, como trabalho e lazer, além de enfatizar que o contato pessoal, como abraços e apertos de mão, roupas e objetos pessoais não transmitem a doença.

A consulta para diagnóstico, o tratamento (polioquimioterapia ou PQT), que pode durar de seis a doze meses, e os medicamentos estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). “Estamos bem supridos de medicamentos para o tratamento. No entanto, há dificuldade em conseguir remédios, órtese, prótese, palmilhas e assistência para o pós-tratamento, prejudicando a reabilitação. Também identificamos demora na realização do diagnóstico”, finalizou Eduardo Araújo.

No Brasil, a Fundação Ezequiel Dias (FUNED), que produz medicamentos para atendimento exclusivo a programas de saúde governamentais, é a responsável pela fabricação da Talidomida, desde 1973, para atender ao Programa Nacional de Eliminação da Hanseníase. Recentemente, houve problemas com a distribuição, no entanto, na Semana Internacional do Combate à Hanseníase, celebrada na última semana de janeiro, a FUNED entregou ao Ministério da Saúde cerca de 1,5 milhão de comprimidos do remédio. “No último domingo de janeiro buscamos a conscientização sobre a importância do diagnóstico precoce e do combate ao preconceito contra pessoas atingidas pela Hanseníase. Procurando atendimento cedo, fazendo uso adequado dos remédios a doença pode ser curada”, concluiu Silvio Salvador Cotta, conselheiro estadual de saúde pelo Morhan e vice coordenador da entidade em Minas Gerais.

Matéria: Gabriel Moraes, Comunicação CESMG

 

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