CARTA ABERTA CES-MG

Considerando a Reforma Psiquiátrica Brasileira, cujos principais pilares são a desconstrução da lógica manicomial, o fechamento dos hospitais psiquiátricos e a construção de uma rede substitutiva que tem como base de cuidado o território.

Considerando que a partir da Lei 10.216, de 06 de abril de 2001, e da Lei Estadual Nº 11.802, de 18 de Janeiro de 1995, o cuidado em saúde mental para pessoas com transtorno mental e/ou necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas passou a ocorrer nos dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja,estabeleceu-se um cuidado em liberdade, humanizado e com respeito aos direitos humanos fundamentais dos usuários, amparando a atenção psicossocial e o cuidado na estratégia de Redução de Danos.

Considerando a Política Estadual de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas instituída pela Resolução SES/MG Nº 5.461, de 19 de outubro de 2016, aprovada em CIB e pelo Conselho Estadual de Saúde que prevê em seu Plano de Ação de Saúde Mental o processo de desinstitucionalização e o fechamento progressivo e responsável dos hospitais psiquiátricos.

Considerando a DELIBERAÇÃO CESMG Nº 001 DE 17 DE FEVEREIRO DE 2014, que dispõe sobre a aprovação da reformulação/reativação da Comissão Estadual de Reforma Psiquiátrica de Minas Gerais.

Considerando a RESOLUÇÃO 105/03 do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte (CMSBH) que aprova e dispõe sobre as diretrizes da Comissão Municipal de Reforma Psiquiátrica (CMRP).

Considerando que em razão da declaração de pandemia do novo coronavírus (SARS-COV-2) pela Organização Mundial de Saúde – OMS, ocorrida em 11 de março de 2020, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais tem a responsabilidade e obrigação de articular ações de enfrentamento ao novo coronavírus (COVID19), a fim de suprir a necessidade de aumento de leitos de enfermaria para a continuidade do cuidado do paciente crítico, manutenção do cuidado com os agravos habituais e incremento da rede com leitos de terapia intensiva.

Considerando que o nível de resposta de Perigo Iminente em saúde pública, a partir de situação em que há confirmação de caso suspeito de COVID-19, como previsto no Capítulo IV, Seção I, Artigo 15 da Lei nº 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências; a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições: XIII – para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas; sendo-lhes assegurada justa indenização.

Considerando que o Centro de Operações de Emergência em Saúde – COES MINAS COVID-19 e a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), estão realizando ações de adequação dos hospitais da FHEMIG, buscando soluções emergenciais para a situação de Pandemia viral.

Considerando que o Hospital Galba Velloso (HGV) ofertará 200 leitos para a retaguarda clínica de outros pontos da rede do Sistema Único de Saúde (SUS). E, que concomitante a isso, iniciaram-se as transferências dos pacientes internados no HGV para o Instituto Raul Soares (IRS).

Informamos que a Comissão Estadual de Reforma Psiquiátrica (CERP), órgão consultivo do Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais (CESMG), e a Comissão Municipal de Reforma Psiquiátrica (CMRP), órgão consultivo do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte (CMSBH) pautaram a situação da desocupação dos leitos do Hospital Galba Veloso, em reuniões extraordinárias devido à necessidade de resposta oportuna. E, ambos colegiados legitimados para tratamento do assunto e deliberação sobre a temática de saúde pública no estado de Minas Gerais, afirmam esta ação pelos motivos descritos abaixo:

1º – Serão disponibilizados 200 leitos de enfermaria para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus (COVID19), para a continuidade do cuidado do paciente crítico, manutenção do cuidado com os agravos habituais e incremento da rede com leitos de terapia intensiva. Esta ação atende a uma prioridade extrema nesse momento de crise, sendo totalmente adequado utilizar um espaço público (HGV), no qual podemos transferir os usuários, sem prejuízo e em segurança, para outros espaços e serviços de saúde mental de todo o Estado, para ofertar um número expressivo de leitos necessários devido ao COVID19.

2º – O movimento da Reforma Psiquiátrica no Estado, com sua luta corajosa e incansável, tem o reconhecimento legítimo do Controle Social do SUS, tanto em nível estadual quanto municipal, e foi diretamente responsável pelo redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental, fundamentado no fechamento dos hospitais psiquiátricos e na construção de uma rede substitutiva.

Assim, essas instituições asilares e hospitalares passaram por uma reestruturação, com redução progressiva e contínua da oferta de leitos, incluindo o Hospital Galba Veloso (HGV). Ressaltamos que a diminuição da utilização dos leitos do HGV, vem ocorrendo há anos, de acordo e como proposto na Resolução SES/MG Nº 5.461, que institui a Política Estadual de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (PESMAD), estabelecendo a regulamentação da sua implantação e operacionalização e as diretrizes e normas para a organização da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), no estado de Minas Gerais.

Atualmente, o HGV, conforme informação da própria FHEMIG, não vem apresentando taxa completa de ocupação de leitos, assim como o Instituto Raul Soares, ambos com número reduzido de leitos em relação a anos anteriores. Os dois hospitais, também, ao longo dos tempos, vêm atendendo em seus serviços de urgência, número progressivamente menor de pacientes, seja de Belo Horizonte, região metropolitana ou mesmo do interior de MG.

Atualmente, o HGV possui 130 leitos no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), destes, 120 leitos operacionais. Já o IRS, possui 104 leitos cadastrados no CNES, destes, apenas 76 leitos operacionais. Ou seja, conforme dados dos próprios hospitais, ambos ofertam 193 leitos destinados a pessoas em crise de saúde mental para todo o estado de Minas Gerais, com tempo de permanência de torno de 20 dias. Portanto, pouco mais de 200 pessoas são internadas por mês nesses hospitais. Evidentemente, que estas instituições não atendem nem 5% da população em situação de crise de todo o Estado pois os 95% restantes são devidamente acolhidos na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) com seus dispositivos de serviços abertos e territorializados.

Os serviços de saúde mental da RAPS, em todo o território de Minas, acolhem essas pessoas, exercendo no território o cuidado em liberdade. São 364 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) ou Centro de Referência em Saúde Mental (CERSAM) em suas diversas modalidades, que atendem pacientes com transtorno mental e /ou necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas de todas as faixas etárias, respeitando os princípios do Estatuto da Criança e Adolescente.

Em relação à retaguarda hospitalar, temos 20 CAPS III e 22 CAPS AD III, totalizando 42 que ofertam hospitalidade noturna, além de 365 leitos de Saúde Mental em Hospital Geral habilitados pelo Ministério da Saúde. Portanto, temos aproximadamente 715 pontos de atenção para o atendimento à crise de pessoas com transtorno mental e/ou necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas em todo o Estado.

Os dados comprovam que os hospitais psiquiátricos não têm, de modo algum, função de centralidade na rede de saúde mental, pelo contrário, quem acolhe e segura a crise dos usuários da saúde mental no Estado é, em sua maior parte, a rede de atenção psicossocial.

Outro ponto importante e decisivo da discussão diz respeito aos profissionais lotados no HGV que deverão, após discussão caso a caso, serem realocados nas diversas unidades da rede FHEMIG, em especial no próprio Instituto Raul Soares, dimensionando suas necessidades assistenciais.

De qualquer maneira, é importante salientar que conforme registro das últimas inspeções realizadas em hospitais psiquiátricos, no Brasil e em Minas Gerais, verifica-se que o modelo manicomial de oferta de cuidado é também fator determinante para o adoecimento de muitos e muitas trabalhadoras e trabalhadores da saúde, por representarem um espaço de restrições de liberdade, de controle dos corpos, de opressão e baixo potencial de humanização do cuidado, pautado na exclusão, no isolamento e estigmatizarão.

Para concluir, reiteramos nossa defesa dos direitos dos usuários de saúde mental e os relatos de violação dos mesmos quando do primeiro dia da transferência de pacientes feita pelo HGV ao IRS deverão ser devidamente apurados. Encaminharemos à FHEMIG solicitação para tal, com o devido acompanhamento do Conselho Estadual de Saúde e de sua Comissão de Reforma Psiquiátrica. Seguimos, portanto, fiéis ao nosso compromisso rumo a uma sociedade sem manicômios, em defesa do SUS e da vida! Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça. Manicômios nunca mais! Toda vida importa! Nenhum trabalhador/ora a menos! Nenhuma vida a menos!

Atenciosamente,

Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais

Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte

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2 comentários em “CARTA ABERTA CES-MG

  • Parabéns aos Conselhos Estadual de Minas e Municipal de Belo Horizonte, que demonstram com esta carta um dos papéis dos conselhos de Saúde enquanto controle social, que é a defesa da vida e do SUS.

  • Sou funcionaria publica aposentada e laborei no antigo Pam Psiquiatria do Carlos Prates, á época profissionais idealistas e compromissados (1996) já erguiam a bandeira cujo lema é : uma sociedade sem manicónios . Acuso que após 24 anos tal meta tal alcançada , não foi sem emoção que li este artigo.

    Forte abraço aos e as profissionais que lutaram e conseguiram uma sociedade sem manicômios.
    Alda Duarte

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