Janeiro roxo: informar é a melhor estratégia para combater a hanseníase

Preconceito e estigma ainda fazem parte do imaginário social, dificultando o diagnóstico precoce. Conselheiros estaduais de Saúde, representantes do MORHAN, falam sobre a doença e dos desafios como a escassez de medicamentos, causada pela covid-19

A melhor atitude para se combater o preconceito é a conscientização, especialmente quando o assunto são as doenças que afligem a humanidade, como é o caso da hanseníase. Ao longo da história – a doença é uma das enfermidades mais antigas do mundo – pessoas que a contraiam enfrentavam uma realidade de segregação e estigma. Atualmente, a hanseníase ainda representa um problema de saúde pública no Brasil, apesar de ser curável, com tratamento disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2019, foram diagnosticados em Minas Gerais 1.098 novos casos. Os dados parciais de 2020, já sinalizam outros 640. Entretanto, a série histórica aponta uma queda no número de casos, que totalizaram 1.574, em 2010.

O “Janeiro Roxo” é uma campanha nacional de combate, prevenção e enfrentamento da hanseníase, em especial o preconceito e o estigma, considerados, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), na Estratégia Global de Enfrentamento (2016-2020), os principais desafios relacionados à doença.

O Conselho Estadual de Saúde (CES-MG) possui em sua composição representantes do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN), entidade fundada em 1981, responsável por desenvolver atividades que conscientizem sobre a importância dos tratamentos, diagnóstico precoce e na reabilitação as pessoas afetadas. São conselheiros cujas histórias se entrelaçam com a da hanseníase em Minas Gerais.

O conselheiro Cordovil Neves (MORHAN) atua ativamente desde 1983 nesse movimento e a motivação para lutar contra a doença vem de família. Seus pais foram internos compulsórios quando a única medida de prevenção era a internação integral. “Meus pais se casaram na colônia Santa Izabel, tenho minha vida vinculada à história da hanseníase e quando foram formar o MORHAN, eu já estava participando das discussões para organizar a fundação”.

Assim como os pais de Cordovil, várias mineiras e mineiros viveram em isolamento social intensivo, permanecendo longe de familiares, filhas e filhos, que viviam em instituições como abrigos para menores. O estado internou, compulsoriamente, por mais de 40 anos, pessoas atingidas pela hanseníase. Por ser uma enfermidade antiga, a história da saúde pública está vinculada a passagens como estas em Minas Gerais. No século XX, todos os povoados do estado tinham casos de pessoas atingidas pela doença. Cordovil conta que as Santas Casas internavam pessoas atingidas pela hansenáise, em destaque a de São João Del-Rei, que no século XVIII priorizou o combate contra a infecção. Nessa época, Francisco Antônio Lisboa, conhecido como Aleijadinho, tornou-se um símbolo e sofria os impactos da enfermidade.

Doença negligenciada

A hanseníase é uma doença infecciosa, crônica, causada pela bactéria Micobacterium leprae e que afeta a pele e os nervos periféricos, em especial os dos olhos, braços, pernas, orelhas e nariz. Acomete pessoas nas mais diversas idades – incluindo crianças – independentemente de gênero (masculino ou feminino). A progressão da doença é lenta, e seu período de incubação é prolongado, chegando a durar anos. Como tem cura e, se tratada precocemente e de forma adequada, pode evitar incapacidades e sequelas.

Em geral, no início, aparecem manchas brancas, vermelhas ou marrons em qualquer parte do corpo, com alteração de sensibilidade à dor, ao tato, e ao quente e ao frio. Podem aparecer também áreas dormentes, especialmente nas extremidades, como mãos, pernas, córneas, além de caroços, nódulos e entupimento nasal. Nesses casos, usuárias e usuários devem procurar uma unidade de saúde para confirmar o diagnóstico e iniciar o tratamento.

Sem isso, a hanseníase tem alto poder incapacitante, principal responsável pelo estigma e discriminação. A divulgação dos sinais e sintomas, bem como o tratamento e cura, é uma importante estratégia para identificar, tratar e curar a doença, desmitificando mitos e preconceitos existentes por falta de informação.

Mas, Cordovil chama a atenção para um ponto importante. Mesmo que a visibilidade tenha aumentado no decorrer dos anos, a hanseníase segue como uma doença negligenciada, com estigma estrutural construído historicamente. Quando uma pessoa é diagnosticada, recebe a herança desse estigma. “O objetivo é diminuir essa herança. Não é uma tarefa fácil, pois precisamos do apoio de dezenas de setores, atores, governos estaduais, municipais e federal, que precisam organizar campanhas em que o foco seja diminuir o estigma e condenar ações discriminatórias e preconceituosas”.

Imaginário social

O conselheiro estadual de Saúde, Eduardo Araújo (MORHAN), diz ser perceptível a existência de certo descompasso entre a compreensão cientifica da hanseníase e o imaginário social da população. “Enquanto a ciência médica avançou no entendimento relacionado com a etiologia e tratamento da doença, o imaginário popular e de algumas e alguns profissionais de saúde continua atrelado à ideia da ‘lepra’. Ou seja, percebemos um distanciamento relevante entre o entender e o sentir na medida em que cientificamente encontram-se consolidados importantes avanços na área”.

Para ele, é necessário desenvolver ações que contribuam para a atualização desse imaginário social colaborando para o diagnostico precoce e tratamento. “O estigma ainda trás a tona a existência de uma espécie de ‘isolamento a céu aberto’, pois embora a política sanitarista de segregação e confinamento nos leprosários tenha sido legalmente superada, pessoas e famílias atingidas pela hanseníase vivem uma espécie de enclausuramento pessoal, na medida em que sentem medo de falar sobre a doença ou serem ‘descobertos’ como atingidos pela hanseníase”, lamenta.

O conselheiro estadual de Saúde, Erli Rodrigues (MORHAN), também reforça que, de fato, a informação não chega a todas as pessoas devido ao receio social, que exclui por medo de contrair a doença. “A educação popular, de servidoras e servidores de saúde é necessária na luta contra a discriminação”, acrescenta.

Política de Enfrentamento

Minas Gerais possui o Plano de Enfretamento da Hanseníase, vigente entre 2019 e 2022, elaborado pela Coordenação de Hanseníase da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). É ancorado em ações de Vigilância Epidemiológica; Rede de Atenção à Saúde (RAS), tendo a Atenção Primária à Saúde como coordenadora do cuidado; Educação Permanente e Integração do Ensino-Serviço; fortalecimento da Educação em Saúde e Mobilização Social; e Gestão e realização de atividades de monitoramento.

“Em relação à rede de atenção percebemos a necessidade de investimentos financeiros, de recursos humanos, capacitação, aperfeiçoamentos e educação em saúde, voltados principalmente para a atenção básica, que fortaleçam e evitem o desmantelamento da rede de assistência à pessoa atingida pela hanseníase”, explica Eduardo Araújo. Segundo ele, mesmo que a Educação Permanente esteja contemplada no Plano, as dificuldades de profissionais para reconhecer e manejar a doença contribui para a continuidade da transmissão na comunidade e incentivam o sofrimento.

Escassez de medicamentos

Para Erli Rodrigues, os últimos dois anos foram de retrocessos no enfrentamento à doença, que segundo ele foi perseguida e negligenciada com vários programas reunidos em um, que inclui a retirada de recursos. Eduardo Araújo reforça que a política de cuidados ainda precisa de investimentos financeiros e científicos voltados para a pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos, que provoquem menos efeitos colaterais, abreviem o tempo de tratamento e consigam fazer frente aos casos já observados de resistência medicamentosa.

E acrescenta que usuárias e usuários vêm enfrentando a escassez do tratamento padrão conhecido como poliquimioterapia (PQT), em decorrência da pandemia de covid-19, em todo país e no mundo.

Em relação ao MORHAN, o conselheiro Denilson Gonçalves, que também representa usuárias e usuários por meio da entidade no CES-MG, conta que o movimento faz a diferença. “Nós estamos com um trabalho em Contagem e já conseguimos captar várias pessoas com problemas, pois trata-se de uma doença silenciosa e que só se percebe depois. Somos capazes de já pegar a pessoa no início e mandar para tratamento”.

Tratamento

A hanseníase tem cura, e o tratamento está disponível nas unidades de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). Vale ressaltar que imediatamente após iniciar o tratamento, que dura entre 6 a 12 meses, mesmo as usuárias e usuários da forma contagiosa, cerca de 30% do total, não transmitem mais a doença para as pessoas com quem convivem.

O diagnóstico é essencialmente clínico e epidemiológico, realizado por meio do exame geral e dermatoneurólogico para identificar lesões ou áreas de pele com alteração de sensibilidade e/ou comprometimento de nervos periféricos, com alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas.

Para saber mais, acesse o hotsite da SES-MG sobre a hanseníase, que apresenta informações sobre a doença, números, legislação e informações sobre o plano estadual de enfrentamento.

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